O grupo, formado por pesquisadores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), acaba de mostrar que a ideia é viável em artigo na revista científica "PLoS One".
O que eles fizeram foi basicamente submeter células-tronco de camundongos e de humanos aos raios X do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas.
A radiação emitida no laboratório é capaz de produzir dados precisos sobre a composição atômica das amostras que atinge -e, no caso das células, sem alterar sua composição, o que é muito importante.
O que os cientistas viram por enquanto é que, conforme as células começam a se especializar e a se transformar em neurônios, seu conteúdo atômico se altera.
Elas ganham grandes quantidades de metais como o cobre, enquanto outros elementos químicos, como o fósforo e o enxofre, ficam polarizados, ou seja, concentram-se em cantos específicos da célula em transformação.
"Agora, o que a gente quer fazer é comparar células derivadas de pessoas saudáveis com as de pacientes com doenças mentais, por exemplo", diz um dos autores do estudo, Stevens Kastrup Rehen. "Pode ser que variações nos elementos químicos das células tenham relação com erros na diferenciação [especialização] dos neurônios. E isso teria um impacto na origem da doença", explica.
Células-tronco
Parecem docinhos de festa de criança, mas são células-tronco superpoderosas. Retiradas de embriões, elas são capazes de se transformar em qualquer outra |
De vez em quando, os jornais aparecem com notícias que soam como ficção científica: gente famosa estoca o sangue do cordão umbilical dos filhos recém-nascidos para utilizá-lo, se necessário, no futuro. Jogadores de futebol ou de basquete, pilotos, nadadores e surfistas têm esperança de que esse material sirva de alternativa para tratamento de eventuais lesões. Isso tudo com base numa constatação da medicina: o sangue do cordão umbilical é uma fonte de células-tronco - células com capacidade de renovação ilimitada e, por isso, melhores do que as retiradas da medula espinhal para o tratamento de leucemia e de inúmeras outras doenças hematológicas. A prática é uma aposta de longo prazo e motivo de muita polêmica.
Desde a década de 1940, após experimentos com pessoas submetidas à radiação, sabe-se que as células-tronco têm a capacidade de repor as células que compõem o sangue e o sistema imunológico. Os transplantes de medula óssea são realizados há cerca de 40 anos, com sucesso. Mais recentemente, os médicos descobriram que essas células não estão presentes apenas na medula óssea, mas circulam também no sangue dos adultos e dos embriões. Assim, desde 1988, são feitos transplantes de células do cordão umbilical, que, por ser mais jovens, são bem mais versáteis - elas conseguem se diferenciar e especializar-se numa maior variedade de células.
Os últimos 20 anos marcaram a expansão do conhecimento sobre as células-tronco e suas aplicações clínicas. Descobriu-se, por exemplo, que, além de se diferenciarem em células do sangue, as células-tronco também podem se transformar em células de músculo cardíaco, dos ossos, das articulações, dos nervos e da pele e em neurônios. Em tese, serviriam como peças de reposição em caso de doenças degenerativas, lesões ou comprometimento de algum órgão.
Aplicações na medicina
Na corrida pelos benefícios do uso das células-tronco contra doenças do coração, o Brasil saiu na frente, com um dos maiores estudos do mundo, que envolve 40 instituições de pesquisa. Os cientistas brasileiros tentam estabelecer se essas células especiais podem ser aplicadas em larga escala no trata-mento de problemas cardíacos graves, como cardiopatia isquêmica crônica, infarto agudo, cardiopatia dilatada e mal de Chagas. Tratamentos isolados, também realizados no Brasil, obtiveram resultados promissores contra outras doenças, corno esclerose múltipla, diabetes e cirrose hepática.
A terapia com células-tronco adultas - aquelas encontradas em tecidos do organismo já completamente formados - tem lá suas limitações. Não se sabe muito bem como elas funcionam. E essas células costumam ser raras - estima-se, por exemplo, que somente uma a cada 1 milhão de células da medula óssea tenha de fato grande potencial de diferenciação. Para completar, após algum tempo as células-tronco perdem a capacidade de se dividir e se especializar, o que restringe seu uso em transplantes.
Paralelamente às pesquisas com as células-tronco adultas, os cientistas resolveram investir em outra direção. Em 1998, a equipe do norte-americano James Thomson, da Universidade de Wisconsin, conseguiu isolar e multiplicar pela primeira vez algumas células-tronco retiradas de embriões menos de uma semana após a fertilização do óvulo pelo espermatozóide.
Pesquisas com embriões
Nesse estágio inicial de desenvolvimento, e antes de ser implantado rio útero materno, o embrião ainda é chamado blastocisto - um aglomerado microscópico de aproximadamente 200 células sem nenhuma função específica. Se o blastocisto for mantido em condições especiais, em laboratório, suas células se multiplicam sem se diferenciar, conservando a capacidade de dar origem aos demais tipos de célula. As pesquisas ainda estão no início, mas o potencial dessas células-tronco embrionárias está criando um novo paradigma ia medicina. O objetivo, a longo prazo, obter um estoque ilimitado de material para a geração de diversos tipos de célula e tecidos para transplante.
No entanto, as pesquisas com células-tronco embrionárias são motivo de grande polêmica no mundo inteiro, pois levantam questões de cunho ético e religioso. O problema é que essas células são obtidas de embriões que são destruídos ao ser manipulados. Há quem ache que, assim que ocorre a fecundação de uni óvulo pelo espermatozóide, já surge um ser humano. Então, um embrião de cinco dias não é um mero pacote de células, mas um ser com todo o direito à vida, e sua manipulação equivale a um aborto. Os que defendem as pesquisas com os embriões dizem que eles dificilmente teriam capacidade para gerar unia vida se fossem implantados no útero. Sendo utilizados como fonte de células-tronco, podem, por outro lado, salvar a vida de muita gente com males incuráveis.
Cada país tem uma forma de interpretar a questão. Nos Estados Unidos, a administração republicana elo presidente George W. Bush decretou, em 2001, que os institutos federais de saúde não podem trabalhar com células-tronco embrionárias. No entanto, ele enfrenta grande oposição dos democratas no Congresso. No início de 2007, a Câmara norte-americana derrubou o veto presidencial, e o debate passou para o Senado. No Brasil, a questão é regulada pela Lei de Biossegurança. Aprovada em março de 2005, a lei libera a pesquisa científica com células-tronco, dentro de certos limites. Só podem ser utilizados embriões estocados em clínicas de fertilização assistida, considerados excedentes ou inviáveis. Esses embriões, gerados por fertilização in vitro, devem estar congelados há mais de três anos, e a autorização dos pais é indispensável. O comércio, a produção, a manipulação e a clonagem de embriões são vetados. Calcula-se que existam no Brasil algo em torno de 30 mil embriões congelados, mas apenas uma parcela disso deve ser aproveitável para pesquisa. Países asiáticos, como Coréia do Sul e Cingapura, aprovam não só essas pesquisas como a clonagem terapêutica, uma questão ainda mais delicada (veja adiante).
Os cientistas agora tentam desenvolver técnicas para obter as células-tronco embrionárias sem destruir os embriões e procuram essas células curingas em outras partes do organismo humano. No início de 2007, pesquisadores da Universidade de Wake Forest, nos Estados Unidos, anunciaram ter conseguido extrair e cultivar células-tronco no líquido amniótico, que envolve o bebê no útero de mulheres grávidas. Elas não
são exatamente iguais às embrionárias, mas também apresentam boa versatilidade para se transformar numa grande variedade de tecidos humanos. Seja como for, o trata-mento de doenças com células-tronco representa uma promessa, que deverá se concretizar somente daqui a vários anos. Os cientistas têm de solucionar ainda diversas questões, corno a possibilidade de desenvolvimento de tumores.
Clonagem terapêutica
A pesquisa de células-tronco esbarra em outro assunto polêmico da medicina: a clonagem. Em 2001, a empresa norte-americana Advanced Cell Technology anunciou ao mundo que havia realizado a primeira clonagem de um embrião humano a partir de células da pele de um paciente. O método foi o mesmo utilizado na pioneira criação da ovelha Dolly, em 1996: o núcleo de uma célula da pele foi implantado em óvulos cujo material genético fora removido. Depois, os óvulos foram estimulados a se desenvolver em laboratório, como se tivessem sido fertilizados.
O objetivo dos pesquisadores não era criar seres humanos em série, o que configuraria a clonagem reprodutiva, um pesadelo muito anunciado mas nunca comprovado. Eles queriam contornar um problema constante nos transplantes - o risco da rejeição. Em tese, a clonagem terapêutica permitirá que cada indivíduo armazene sua linhagem particular de células idênticas, ou seja, com o mesmo código genético das células originais. No decorrer da vida, no caso da necessidade de um transplante, essas células poderão ser descongeladas, multiplicadas e induzidas a se diferenciar como células do tecido a ser substituído. E, transplantadas, poderão regenerar o órgão danificado, sem o risco de que o sistema imunológico identifique o novo tecido como corpo invasor e o ataque.
As promessas da clonagem terapêutica têm mobilizado de tal modo a comunidade científica internacional que já deram origem a urna das maiores fraudes de todos os tempos. Em 2005, o sul-coreano Hwang Woo-Suk, da Universidade de Seul, publicou um artigo científico segundo o qual sua equipe havia obtido 11 linhagens de células-tronco embrionárias a partir de embriões clonados. A declaração surpreendeu o mundo. Desde as pioneiras experiências norte-americanas, jamais uma equipe havia avançado tanto na experiência a ponto de resultar em linhagens de células-tronco. A clonagem é um processo de tentativa e erro, no qual raramente se consegue chegar à fase do blastocisto sem passar por centenas de experimentos malsucedidos.
No final de 2005, a fraude sul-coreana foi desmascarada: o cientista havia coagido mulheres de sua equipe a doar os óvulos e falseado os resultados apresentados às mais respeitáveis revistas especializadas. Por causa do vexame, essas revistas resolveram adotar maior rigor na hora de avaliar trabalhos, principalmente quando se trata de áreas tão disputadas da ciência. Woo-Suk afastou-se das pesquisas e responde a processos por fraude. O cientista sul-coreano comprovou, no entanto, que havia clonado um cachorro da raça Afghan, que recebeu o nome de Snuppy, em agosto de 2005. Sua equipe continuou a trabalhar e, no fim de 2006, anunciou ter clorado três cadelas da mesma raça.
Esse é um dos sinais de que, se a clonagem reprodutiva de embriões humanos é condenável c a clonagem terapêutica ainda está longe de obter resultados, a experiência com animais está funcionando bem. Hoje já existem clones de ovinos, caprinos, bovinos, suínos, gatos e cachorros. O Brasil produziu sete bezerros clonados com o objetivo de conseguir uma reprodução mais segura de linhagens de qualidade superior. Como sinal dos novos tempos, no ano passado as autoridades reguladoras dos Estados Unidos concluíram que era seguro o consumo de carne e leite de vacas, cabras e porcos clonados e de seus filhotes. Há ainda clones de animais que tiveram o código genético alterado com a introdução de genes de outras espécies para utilização em pesquisas de laboratório e no tratamento de doenças humanas. Mas a polêmica continua
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